Os teus olhos contemplam o Dragão de Mil Cabeças enquanto os teus dedos tocam a seringa com ternura e afeto. Quase como uma mãe sem ventre.
Eles mentem quando pensam e falam sobre ela, pois aquilo que estala dentro de seu peito é Amor na forma mais bruta de tal modo que só ela o percebe.
Todos os seus membros chacoalham e se entortam como parte do ritual de adoração e auto-piedade ao Deus-Seringa enquanto o Dragão ancora suas unhas perpétuas nas costas da moça com afinco e desejo.
Ela sente os solavancos de desespero dentro de seus ossos e a abstinência quase pode ser tocada por suas mãos.
Isso não é um vício. Isso é amor.
Quando a agulha toca o seu corpo a moça pode sentir a maciez dos lábios de uma criança morta enrijecendo seus pêlos e esvaindo sua libído. Sim, isso é amor. Um feto agoniza em seus braços e uma canção toca em seu sexo.
O Dragão lhe oferece um beijo doce, mas a seringa cobra um preço amargo demais por suas dívidas aveludadas. Algo se esvai de sua pele enquanto o seu amor é suprido.
É uma espécie de retribuição, ela pensa.
Afinal, Deus sempre foi um ser egoísta e manipulador que anseia pelos olhares de todos a todo o momento, para que dirijam-se sempre para si.
Sim, é uma espécie de retribuição.
Pois o amor tem um preço. Sempre tem um preço. Sempre. E sempre cobra mais a cada pequena dose de sua benção pictórica, até o dia em que a moça pereça nua e inúltil dentro de um quarto escuro recheado com os órgãos internos de sua repressão materna auto-contida e estilhaçada sob seus pulsos rasgados.
E o Dragão se delicia e se contorce em solavancos de amor ao ouvir o seu sussurro.
A moça o sente dentro de sua coluna como um verme febril, girando e gemendo.
Como um pênis ereto.
Como uma vara rotunda dentro de sua boca.
Como uma verve imunda dentro de seu anûs.
Pois o prazer a inunda. O amor a completa.
"All we need is love"
Ela canta. Ela quase canta, em meio ao esperma e a saliva que completam seu rosto e fecundam seus olhos.
"All we need is love"
Ela grita, mas sua voz ganha eco dentro de suas vértebras e se perde em seu estômago.
"All we need is love"
"Love"
Ela chora em desespero e suas lágrimas masturbam seu rosto e violam sua voz, quando todos os úteros se tornam inférteis.
"Love is all we need"
Ela chora.
"Love is all we need"
Chora.
"Love is all we need"
E chora.
Mas não sente nada.
Nunca.
Ela nunca sente nada.
Quase
Como
Se
Tivesse
Nascido
Quebrada.
Enfim,
o Dragão repousa.
E o seu sono pesa dentro dela.
O desejo desvanece e o calor retorna ao frio.
Como uma agulha.
Como um gancho.
Um pequeno gancho agarrado a sua boca que engole sua face e distorce seu sorriso falso quando o vento a toca e a água invade seu útero durante as manhãs vazias e simplórias diante das reprises da TV.
Diante do noticiário.
Diante dos colegas de trabalho.
Diante do maldito espelho quebrado que se recusa a parar de refletir a expressão de tédio que se repete em todos os cacos da mesma forma.
Os mesmos olhos.
A mesma boca.
A mesma mentira.
Mas a moça sabe que em breve o Dragão renascerá de novo e sua paixão afiada a de retornar uma vez mais para ela.
E a agulha.
E a seringa.
E o amor.
Pois o amor vencerá no fim de todas as coisas.
Sim.
O amor sempre vence.
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O título deste post é uma citação ao título do capítulo 5 do livro O Cheiro do Ralo, escrito por Lourenço Mutarelli e lançado no Brasil pela Devir Livraria. Interessados em conhecer a obra do autor (que eu recomendo completamente) podem acessar o link http://www.devir.com.br/mutarelli/ , garanto que valerá a pena.
Bom texto! Exagerado demais,mas exagero sempre é pouco para essas coisas. essas coisas.
ResponderExcluirIndiquei seu blog ao selo "Tu blog es una flor en la primavera" (meio gay, né!?)... Vai la no meu blog e pega o selo p vc postar
ResponderExcluir^^
Te indiquei também para o mesmo selo xD
ResponderExcluirMeu divoo!!
Que saudades ;~~
"love is all we need"
ResponderExcluir:(
Indiquei-te para mais um selo ;D
ResponderExcluirAbraços!
Mais três selos xD
ResponderExcluirMais seis selos :P
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