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Abarcar o mundo ou abraçar o mar.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

NU E SOZINHO, PERDIDO NO DESERTO...

Aristeu, no Deserto Negro em que se perdeu ao findar dos vinte anos (tentava fuga às intervenções malignas de Aurípede, o Sultão da Corte Pálida, que lhe jurara morte após descobri-lo como amante secreto de sua esposa mais nova, Mira Miskrha) encontrou-me no decorrer da quinta noite, enquanto atormentava-se perdido sob o ventar seco, estalando às dunas sob o céu de fria escuridão.


Poucos conhecem realmente a experiência de perder-se no Deserto Negro (não se deve acreditar nas tolas fantasias colonialistas inglesas). O zumbir do vento dá voz à areia, que lhe propõe tolas charadas em idiomas da Velha Cidade, confundi-lhe a direção e, acredite, faz com que o brilhar da estrela mais forte desapareça por horas à fio, tornando impossível manter correto o caminho para salvar-se do Deserto, transformando-o em eterno escravo de suas adivinhas macabras.
Sim, o Deserto Negro alimenta-se da loucura dos viajantes.


Aristeu achou-me nas raízes de um cacto morto, após horas de deseperado cavucar aos pés da planta, procurando a resposta para uma das adivinhas sem nexo da voz da areia. Não achou a resposta. Em compensação, achou-me: a erva-de-cheiro-rosado.


Poucos são os que realmente conhecem-me, e mesmo estes restringem-se mais ainda aos poucos seres humanos que sobreviveram à viagem maldita pelo Deserto Negro. Aristeu foi um deles.


Ao encara-me, sentindo meu cheiro que possui cor, Aristeu escutou minha voz que lhe susurrava: "coma-me"; "beba-me"; "sacia-te em mim". Aristeu entendeu-me como poucos o fazem: percebeu que, ao afogar-se invariávelmente no mar da loucura, só se mantem a sanidade ao aceitar a solidão de uma Nau de Loucos - duvidar eternamente de si e, ainda assim, ater-se à mente, mesmo que essa já não lhe mereça mais confiança. Agarrar-se a loucura, quando esta lhe é irreversível, é manter-se são (foi o que disse o árabe louco Abdul, o Homem, antes de morrer sufocado pelo calor e pela areia, e suas palavras ganharam forma no deserto).


Aristeu pôs-me à boca e mastigou-me. Deleitou-se deitado na areia, que já não lhe fazia mais charada alguma. Enguliu-me e, por fim, sentindo o perfume cor-de-rosa queimar-lhe a alma, o estômago e as pontas dos dedos que me tocavam, transmutou-se em um exército de borboletas negras que, tal qual a força de uma tempestade do deserto, partiu em um enxame, cantando no intruncado idioma das antigas borboletas negras do sul:

Fui louco como fui teu
Mira, ele fugiu por apaixonar-se por ti
Chama-se negro agora,
Chamou-se outrora Aristeu


Entoado pela nuvem de borboletas de asas negras, essa canção tornou-se um hino de guerra nos exécitos borboléticos alguns séculos depois; neste instante no entanto, no passado triste de loucura voadora de Aristeu, era um grito desesperado em busca de saída à vastidão do Deserto Negro, era o emblema da maldição cega da areia e o bastião da loucura/sã que as borboletas negras ontentavam.

Hoje, em algum lugar do mundo, uma boca se abre e a última borboleta negra sobrevivente se atira, solitária, em meio à salivas e dentes. A boca pertence a mulher, e a mulher está grávida. A borboleta arrasta-se até o ventre, engole o feto novo e toma seu lugar, ganhando forma humana. Aristeu sobreviveu à loucura. Aristeu renascerá.

domingo, 3 de junho de 2007

(silêncio)

Ela diz:

(não se deixe perceber... ele está no cômodo próximo. por favor jovem moço, ajude-me a desamarrar estas cordas grossas que me prendem pernas e braços. sim, ele está no cômodo ao lado, e a qualquer momento pode entrar por aquela porta. ele pode matá-lo. sim jovem moço, não duvide disso. ajuda-me, lhe imploro.)
(todas as noites ele abre aquela porta próxima ao abajour esverdeado, arranca-me o lençol, levanta-me o pijama branco - na verdade, após todos esses meses, encardidamente fedido - e, montando ferozmente sobre mim, apoiando-se descuidado sobre meu pequeno tronco, roçando seus pêlos em meu rosto e agarrando-me a face com as unhas, suga-me até a última gota de beleza, suga-me os cabelos de negros caracóis, suga-me os desejos da juventude nunca vivida. nada mais faço além de gemer e chorar. nada mais me resta. render-me ao silêncio daqueles olhos que nunca me encaram. daquele rosto que nunca permite desvencilhar-se das penumbras pálidas deste quarto escuro. deste medo eterno que nunca me permite saber o que representa este ritual terrível, esta dor sem cheiro. prendo-me ao teu socorro jovem moço. ajuda-me.)
(juro-lhe já não recordar meu próprio rosto frente ao espelho. juro-lhe. já não reconheço minha voz ao sair da boca. estes tolos gemidos já não são meus. pertencem a uma comcubina qualquer, perdida em um pesadelo de noites árabes. vivo com a morte entalada na garganta. sufocada pela ante-vida deste quarto imundo e sem cor. pela última vez, ajuda-me...)

Ouvindo este último sussurro, implorando por ajuda, saído daquela pequena boca (não mais que quinze anos, pensava ele) o jovem moço arrancou-lhe o lençol, levantou-lhe o pijama branco - na verdade encardidamente fedido - montou sobre ela e sugou-lhe a beleza, sugou-lhe os desejos, como muitos fizeram antes, e muitos outros fariam depois.

DEUS SALVE A RAINHA!

Impresso na gráfica dos Judeus-Sem-Pênis.