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Abarcar o mundo ou abraçar o mar.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

OS FILHOS DO TOURO

Conta-se que certa vez, na desolada vila onde vivo, nasceu um bebê de monstruosa figura, deformado de forma grotesca: um corpo de criança pequena seguido, de forma inexplicável, pela cabeça de um touro robusto. Parido como o quinto filho de uma mulher de vida imprópria, o bebê foi visto como uma maldição terrível oriunda dos Deuses do Apêndice Coxo - lar divino dos Corações Vazios. A mãe da criança, de acordo com os relatos mais obtusos, tinha por costume entregar seu sexo aos touros, acometendo-se de forma maníaca a paixão ensandecida e ao desejo louco pelo animal. Tal costume impróprio havia sido herdado através de longo engodo perpetrado com o passar dos anos por todas as mulheres desta família: a entrega física ao touro - em sua viril corpulência de bravo monstro entrelinhado por pêlos - as tornava senhoras de atração e de apetite sobrenatural: meretrizes de sabor único. Ao mesmo tempo, acreditava-se que toda a família da moça provinha de atos de bestialismo, descendentes de uma longa linhagem de touros: os Filhos da Paixão Animal. As mulheres eram educadas desde a infância para o convívio com os animais selvagens, seus futuros esposos e cumplíces de seu pecado. Com o passar das gerações, no entanto, a loucura e a tragédia apossaram-se de cada um dos homens da família. Anteriormente reconhecidos como senhores de força única e de virilidade plena - imbatíveis entre seus pares - ao descobrirem-se frutos da luxúria imprópria e, principalmente, ao reconhecerem tamanha insanidade dentro de seu próprio convívio familiar - em suas mães: as meretrizes da entrega - os homens e rapazes oriundos do secular sêmem do touro foram acometidos pela covardia e pela tristeza, encolhidos dentro de seus próprios órgãos de vontade curvada. Por fim, coube a família apenas o abandono e o desprezo, tornados feiticeiros e demônios aos olhos de seus vizinhos. 
Desta forma, como a maldição definitiva a desabar sobre a linhagem dos filhos do touro, viu-se nascer a medonha criança-monstro, o bebê que sustentava os cornos de um boi. O garoto foi imediatamente recolhido do convívio comum e escondido em um enorme labirinto de pedras do vale, esculpidas de forma assombrosa pela erosão do mar e pelo infindável contar dos anos. Lá o bebê cresceu e tornou-se adulto, sobrevivendo solitário a partir do sangue das moças e dos rapazes perdidos dentro de seu labirinto sem retorno. Metade homem e metade touro, o monstro alimentava-se ferozmente do corpo e da ânsia destes desamparados e desguiados, presos no centro de sua insustentável dúvida bestial forjada nas raízes da  pedra. Devorando-os com raiva e com fome, eternamente insaciado pela chama de sua paixão sem fim, o homem touro morreu solitário em algum lugar do vazio infinito.
Mesmo morto, no entanto, ainda é possível sentir o gosto de seu ódio preso no fundo de minha garganta - basta engolir a saliva com força. Quase posso vê-lo a se debater ferozmente no mais profundo vale de meu coração e de minha alma suja, contorcendo-se e chorando em agonia: o terrível pranto do monstro, capaz de envergonhar o sol e de entristecer o mar.
Outrora o Touro foi o pavor do homem, na época em que a caverna era o refúgio mais seguro e a escuridão era o temor mais maligno. Agora, o urro do Minotauro é apenas uma voz acuada contida num sussurro esquecido; uma palavra perdida que nunca, nunca, há de ser revelada.

DEUS SALVE A RAINHA!

Impresso na gráfica dos Judeus-Sem-Pênis.